A responsabilidade civil por danos causados a terceiros por factos ilícitos
No ordenamento jurídico português, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por factos ilícitos encontra-se regulamentada no atual Código Civil Português (doravante CC). A sua Secção V trata, exatamente, da Responsabilidade Civil, correspondendo a Subseção I à Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos. Assim, define o art.º. 483 deste diploma o princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
A mesma lei determina quais os danos que são indemnizáveis, dando o legislador ao intérprete, igualmente, os meios para definir o quantum indemnizatório, nos termos do disposto nos Artigos 562 e seguintes. Desde logo, daqui resulta que quem sofreu o dano tem o direito de se ver reposto em situação idêntica àquela em que estaria se não fosse a lesão (art.º 562 do CC); Que esta obrigação existe relativamente aos danos que o lesado não teria tido se não fosse a lesão (art.º 563 do CC); E, ainda, que os danos a ter em consideração são não só aqueles que o lesado tem no momento, mas ainda aqueles que lhe poderão advir, no futuro, em consequência da lesão (art. 564 do CC).
Acresce que, nos termos do art. 496º do CC, os danos indemnizáveis são não só os de natureza patrimonial– a roupa estragada no sinistro, as consultas médicas que teve de pagar, as viagens que teve de fazer, os ganhos salariais que deixou de auferir – mas também os danos não patrimoniais, onde se computam as dores sofridas, o medo, a angústia, o terror de morrer, as noites sem dormir, os internamentos hospitalares, os danos estéticos, os tratamentos particularmente dolorosos e todas as restantes sequelas psicológicas decorrentes de um facto lesivo, como por exemplo um acidente de viação. No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. A quantia devida por estes danos não tem por fim a reconstrução da situação anterior ao facto lesivo mas principalmente compensar o lesado, na medida do possível, pelas dores e incómodos que suportou como consequência da lesão.
A lei portuguesa permite, ainda, o pagamento de danos futuros, aqui se visando quer aqueles que no momento da decisão já eram contabilizáveis, quer aqueles cujo montante não era quantificável. Estes deverão igualmente ser peticionados e poderão ser liquidados posteriormente em sede de liquidação de sentença.
É ainda indemnizável, como dano patrimonial, o Dano Biológico, conceito que, ao nível da jurisprudência, tem vindo a ser utilizado sobretudo a respeito da fixação de indemnizações em caso de acidentes de viação, tendo suscitado, em primeira linha, a dificuldade da relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais. Hoje em dia, o dano biológico encontra-se definitivamente incluído nos danos patrimoniais e é definido como uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando esta tutelada diretamente no art. 25º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”, e no art. 70, nº 1 do Código Civil.
A aferição do dano biológico faz-se, na lei portuguesa, através da determinação médica da diminuição da capacidade do lesado em virtude do acidente e tendo em consideração as atuais Tabelas de Incapacidade em Direito Civil (DL nº 352/2007 de 23 de Outubro). A compensação do Dano Biológico tem, assim, como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem, ainda assim, um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
A isto acresce que, nos termos dos artigos acima citados, e na impossibilidade de se determinar, com exatidão, certeza e de forma absoluta, quais os valores indemnizáveis, o julgador deve recorrer à equidade, nos termos do art. 566, nº 3 do Código Civil.
Na jurisprudência, tem vindo a ser defendido que o uso da equidade tem de se apoiar designadamente nos seguintes critérios: (i) sequelas da lesão, com a consequente diminuição da capacidade de trabalho; (ii) idade do lesado aquando da lesão; (iii) totalidade dos seus vencimentos anuais e (iv) expectativa de vida. De um modo mais abrangente, também se afirma que a lei aponta como critério determinante a equidade, sendo que deverão ser relevados vários fatores no valor a fixar, nomeadamente a perda da capacidade de ganho, que é um dano futuro, o salário, a idade, o grau de incapacidade, o tempo provável de vida ativa laboral e a esperança de vida, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros fatores, como sejam o progresso tecnológico, a politica fiscal e de emprego, as regras de legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade.
Desta forma, e havendo responsabilidade de terceiros pela lesão de bens materiais ou da integridade física de cada um, há que olhar para estes critérios e responsabilizar, de forma extrajudicial ou judicial, o lesante, sem perder de vista que, na maioria das vezes, a responsabilidade está transferida para um Segurador, havendo casos em que a existência do seguro é obrigatória.